domingo, setembro 30, 2012

o sistema político ruralista do país


Descortinando o sistema político ruralista do país



Em entrevista ao blog, o jornalista Alceu Castilho fala sobre sua pesquisa para escrever o livro Partido da Terra [editora Contexto, 240 páginas, preço em torno de R$ 25,00] e expõe a enorme capilaridade do poder ruralista em todo o território brasileiro. Baseado em um trabalho sério e minucioso, o livro é imprescindível para quem quer entender de onde vem a força dos ruralistas no Congresso Nacional e em todas as demais instâncias de poder em nosso país. Acompanhe a entrevista:

Sistema político ruralista

Durante minha investigação ficou muito clara a existência de um sistema político ruralista. Esse sistema precede a famosa bancada ruralista e explica, por exemplo, o fato de alguns partidos cederem vagas para o DEM na Comissão da Agricultura em troca de vagas em outras comissões. O PV, por exemplo, faz a mesma coisa, mas não ganha um assento na comissão de meio ambiente. Fala-se muito do Ronaldo Caiado, da Kátia Abreu e outros, mas se fossem só esses senhores, os ruralistas não teriam a força que têm. A força se dá por conta desta capilaridade que começa lá nas prefeituras, nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas e que têm a ver com a perpetuação de clãs políticos ligados à questão rural.

Eu acompanhei, na pós-graduação da Geografia Humana da USP, a defesa de Sandra Gonçalves Costa que apresentou uma dissertação de mestrado sobre a bancada ruralista. Muitos dos dados apresentados por ela coincidem com os do livro e estão diretamente relacionados com o coronelismo e o patrimonialismo que persistem em nosso país. Sandra, em sua tese, mostrou a forte presença da conexão familiar com a terra. O tema central desta tese é que terra é poder e esses proprietários não são apenas capitalistas, eles se preocupam com a terra porque isso faz parte da cultura regional, local, e do status que exibem. Durante minha análise isso ficou claro, muitos políticos gostam de exibir o seu patrimônio. 

Coronelismo

Esse sistema político ruralista ao qual menciono está ligado às eleições porque o coronelismo tem a ver com eleições. Vitor Nunes Leal, em seu clássico “Coronelismo, Enxada e Voto”, mostra a defesa desses interesses agropecuários não só no Congresso, mas nas prefeituras e assembleias legislativas. Em meio a essa lógica, camponeses, indígenas, quilombolas ou trabalhadores rurais são sistematicamente excluídos. Basta ver os conflitos por conta da terrível desigualdade e da extremada violência. Durante a minha pesquisa eu encontrei histórias de jagunços contratados por prefeitos e deputados, e até milícias formadas em defesa desses interesses. Este quadro nos dá a dimensão da violência no campo e do que está acontecendo hoje no país. 

Além disso, como bem demonstra Sandra, nós temos uma história de grilagem. Em sua tese, ela conclui que os políticos proprietários de terras, em sua maioria, possuem terras improdutivas. Essa conclusão, infelizmente, eu não obtive porque avaliei as declarações do TSE. Mas, a Sandra levantou dados do INCRA e conseguiu identificá-la. E mais: as terras das empresas declaradas por esses políticos são ainda mais improdutivas. Essas empresas, informa Sandra, não são mais produtivas do que aquelas dos latifundiários arcaicos. Não existe modernidade nessas empresas e a porcentagem de terras improdutivas aumenta ainda mais. Em poucas palavras, a maior parte desses políticos está especulando com a terra e não está produzindo. Veja que é o discurso contrário do que ouvimos dos ruralistas. 

O professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira (Geografia-USP), uma das maiores referências em geografia agrária deste país, está coberto de razão quando afirma que nós não temos controle sobre o território brasileiro. Veja os cadastros do INCRA. Embora eles permitam pesquisas como a de Sandra e a minha, ainda são muito incompletos. Há muita terra em nome de laranjas e de parentes e outras tantas que não foram declaradas. 

Trabalho escravo

No livro, eu destino todo um capítulo ao trabalho escravo e às mortes e ameaças aos camponeses. A partir de relatos do Ministério do Trabalho, do Observatório Social e os que obtive na imprensa em geral, colhi casos que tinham assinaturas de políticos. Eles entram na lista suja, mas logo saem, porque no caso das elites e das grandes empresas, acabam não parando nessas listas. Eu cheguei à conclusão que só em terras de políticos já mencionados a trabalho escravo nós temos mais de 100 mil hectares. Esse é um dado importante no contexto da PEC do Trabalho Escravo já aprovada, mas lamentavelmente congelada até que se defina o conceito de trabalho escravo.

Note que há duas bancadas ruralistas: uma mais flexível – até para não ficar mal com a opinião pública, já que precisa de votos – e outra menos flexível, aquela que é ruralistas até o fim dos tempos, até porque seus eleitores são igualmente ruralistas. O fato é que essa bancada mais flexível aprovou a PEC do Trabalho Escravo, mas ela vai ficar lá patinando até que detalhem o que significa trabalho escravo.


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